24 de abr. de 2010

No Grande Sertão do João

Observa a cena. Podes ver e ouvir? Algo estranho se passa com o tempo no Sertão. Ele parece fluir numa velocidade menor e num sentido diferente – ao contrário, talvez. Pois parece carregar os acontecimentos, não para um futuro, mas, afundando tudo – coisas e pessoas – para um mundo inferior do passado remoto, ancestral, primitivo. Eis o sertão: alfa e ômega. Vem e volta. E anda para trás, zombando, de certo modo, da Razão. Travessia perigosa, sem pontos de apoio, um museu do Tempo. Mergulha, ultrapassa o último bastidor e vislumbrarás a origem – quando não havia o céu, não havia a terra. Não haviam sido criados. Então, aconteceu: de uma melancolia instalada no coração do Criador, surgiu um verso e o primeiro atributo que Lhe saiu da boca, apenas concebido pela magnificência do som de sua voz, foi – assim solitário e rude – o Sertão. E o Criador sentiu medo do que havia criado – de sua melancolia assim solidificada – e pretendeu destruí-lo varrendo-o com um vendaval de pez e enxofre. Flamívomo. Pavoroso. Depois, arrependido, abençoou-o, criando uma estranha dualidade: desde as primícias o Sertão é sumidouro e renascimento. Assim, podes agora entender: o cavaleiro, a criança, e a montaria, percorrem um caminho para o futuro que conduz ao passado. Vão em direção a um silêncio cheio de outras músicas. Para onde envelhece vento.

4 comentários:

Unknown disse...

Em excelente momento
Havia desistido de trabalhar. Há mais de duas horas, o som no último volume de algum apartamento ou casa na rua abaixo demonstra que nesta cidade de São Paulo, ninguém respeita ninguém.
Aí recebi o e-mail falando desta postagem. Após apreciar o texto e a foto... calmaria. Fechei tudo e tento ouvir o "barulho" do vento e do silêncio.

.lily disse...

esta foto, este sertão, nossa, que inspiração! Mas nem sei o que dizer desse momento que vai "para onde envelhece o vento"?

Ruiva com sardas disse...

Que este conúbio amoroso entre o delicado olhar de Adriana e o sensível verbo de Sérgio seja pródigo e fecundo!
Beijos, meus queridos Bromélia e Thom

Maiê

V. disse...

O vento do sertão é o vento quente. O vento rápido e com vagar. Por isso, é tão bom quando acontece.