Sou um
projeto executado e, portanto, findo. Sou uma peça quadrada, de 12 centímetros
por 12 centímetros. Fui enfeitada com ponto a cheio, ponto sombra, crivo
talvez, e um que no Brasil chamam de caseado. Sou estrangeira, mais que septuagenária.
Desconheço a amplitude do projeto do qual sou parte acabada. Conheço, apenas, a
mim e a mais 11 pequenos quadrados, aparentemente iguais. Sim, aparentemente porque somos peças em azul
e rosa, bordadas sobre linho, onde trama e urdidura perfazem, por centímetro
quadrado, 30 fios. Contudo, não posso afirmar se temos a mesma quantidade de
pontos e se fomos feitas por duas ou uma universalidade de mãos e, ainda, se a
roca e a tensão dos dedos garantiram a uniformidade dos fios. Tenho estado em
silêncio e meu tempo corre entre a imobilidade de uma gaveta ou de uma mala
velha. Tocam-me quando sou transportada de um desses cantos a outros. Tenho
poeira de mais de décadas. Fazem-me cócegas, mas não me deixam espirrar. Parece
que fui projetada para ser um guardanapo. Pelo tamanho, entendo que eram para
lábios pequenos, fechados, e dedos.
Jamais para proteção de roupa. E pelo que pude perceber da gula humana,
guardanapo utilizado para servir um café, uma chávena de chá. Jamais uma
feijoada. Considero-me bela e sei traduzir a intenção de olhos invejosos:
gaveta ou mala velha de outra pessoa, de outra casa, não a permanência onde
estou acomodada. Enfim, não sou dominada pela soberba, mas tenho orgulho do meu
ser tão esmerado. Hoje fui retirada da mala e recebi o calor de um ferro.
Fiquei embaçada com o vapor. Logo percebi que hidratou meus fios. Mas oh!
Quentinha e ainda assimilando o meu espreguiçar, não percebi de momento. Fui
usada para cobrir um copo de água. Não pela água, o meu infortúnio. Riqueza tão
nobre e essencial, mereceria ser coberta com as mais ricas rendas, com os mais
belos bordados, com as mais belas peças, iguais, em beleza, a mim. Fui
usada...não! fui abusada para cobrir um copo de requeijão cheio de água. Não
entendo mesmo a humanidade. Modelam-me à perfeição e depois se olvidam, não
prestando atenção.
Adriana
Gragnani
Junho
2015
2 comentários:
Lindíssimo, se o olvidam é porque deles temos ciúmes e escondemos em grandes gavetas cheias dos mais estranhos tecidos...
Lindíssimo, se o olvidam é porque deles temos ciúmes e escondemos em grandes gavetas cheias dos mais estranhos tecidos...
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