Estou inquieto e não permito que minha bordadeira e
narradora finalize os últimos retoques. Fahad é meu nome e parti da Grande
Síria antes da queda do Império Otomano, chegando ao Brasil em 1910. Venho
daquela vasta região denominada, pelos ocidentais, de oriente. Daquelas
terras, poucas lembranças trouxe: um caroço
de azeitona, uma folha de cedro guardada em meu único livro contendo os
rubaiyats. A riqueza cultural de meu território de origem, tão entranhada, acompanhou-me e fez de mim quem fui. Percorri povoados, vilas, casas de fazenda.
Durante toda minha longa estadia nestas terras fui mascate. Muitas vezes
entrava numa cidade anunciando:- compro roupa!
E dela saia dizendo: -vendo roupa! Bateu-me, certa feita, uma solidão de
alma gêmea, de alguém que não chegara a conhecer e estranhamente me era
presente. Não arrisquei perder o sentido
que me veio como querido. Durante minhas andanças por capitais nortistas,
peguei, do cenário de um teatro, um manequim abandonado. Escolhi o mais
refinado corte de uma peça oriunda da rota da seda, imaginei o tecido com cores
do céu de meu pedaço natal, a cobrir o corpo do ser que senti como amado. À
cabeça, protegendo do sol escaldante, a musseline, dando frescor a Yasmine,
assim batizada por mim. Acompanhou-me durante os vinte últimos anos de minha
vida. O retrato, em cenário esmerado, foi guardado junto com meus rubaiyats. Já
finado e enterrado, apresento-me à sociedade brasileira pelas mãos de uma
mulher, que é xereta e fez de mim um pedaço de linho bem bordado. Ao menos
assim ela acredita.
Adriana Gragnani
Novembro de 2.015
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