5 de jan. de 2016

Yasmine

 

Estou inquieto e não permito que minha bordadeira e narradora finalize os últimos retoques. Fahad é meu nome e parti da Grande Síria antes da queda do Império Otomano, chegando ao Brasil em 1910. Venho daquela vasta região denominada, pelos ocidentais, de oriente. Daquelas terras,  poucas lembranças trouxe: um caroço de azeitona, uma folha de cedro guardada em meu único livro contendo os rubaiyats. A riqueza cultural de meu território de origem, tão entranhada,  acompanhou-me e fez de mim quem fui.  Percorri povoados, vilas, casas de fazenda. Durante toda minha longa estadia nestas terras fui mascate. Muitas vezes entrava numa cidade anunciando:- compro roupa!  E dela saia dizendo: -vendo roupa! Bateu-me, certa feita, uma solidão de alma gêmea, de alguém que não chegara a conhecer e estranhamente me era presente.  Não arrisquei perder o sentido que me veio como querido. Durante minhas andanças por capitais nortistas, peguei, do cenário de um teatro, um manequim abandonado. Escolhi o mais refinado corte de uma peça oriunda da rota da seda, imaginei o tecido com cores do céu de meu pedaço natal, a cobrir o corpo do ser que senti como amado. À cabeça, protegendo do sol escaldante, a musseline, dando frescor a Yasmine, assim batizada por mim. Acompanhou-me durante os vinte últimos anos de minha vida. O retrato, em cenário esmerado, foi guardado junto com meus rubaiyats. Já finado e enterrado, apresento-me à sociedade brasileira pelas mãos de uma mulher, que é xereta e fez de mim um pedaço de linho bem bordado. Ao menos assim ela acredita.

Adriana Gragnani

Novembro de 2.015

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