Trinta e nove anos após chegar ao Porto
de Santos, vinda do norte da Itália, com trabalho já arranjado em tecelagem
paulistana, Eleonora assistiu ao casamento de sua filha, chamada pelo futuro
marido de Li ou Lizinha. De ex-operária de tecido, já, então, com bom padrão de
vida, no figurino rigoroso da época, aos poucos foi fazendo ou comprando as
peças para o enxoval da filha, cujo noivado prolongou-se em parte da segunda
guerra mundial até 4 anos após de seu término; o casório, em cerimônia bem
montada, celebrado em manhã ensolarada de setembro. Véu sóbrio de tule, com
pequenos bordados florais e barrados de renda francesa, a encobrir o vestido de
cetim perolado, emolduram de felicidade o rosto cristalizado em fotos que ainda
restam. Todo o belo conjunto harmonizado pela costureira portuguesa, Dona
Margarida, moradora no Brás, com suas duas filhas, Dalva e Delfina. Do vestido
e véu, sua filha lembra-se, pois com ele brincou em sua infância; da nobre
costureira, recorda-se, pois dela ganhou um vestido de tule rosa, de várias
saias, com delicados bordados, com fios prateados, ao completar 7 anos. Sua
memória não guardou o destino dado ao vestido de noiva, hoje certamente nem
mais trapos de uma festa esquecida pelo tempo passado. Contudo, uma lembrança
ficou, bem guardada pela mãe, de primeiro embrulhada em papel de seda azul
escuro, depois em papel de seda branco, sempre dentro de uma caixa de papelão.
A filha, de posse de herança tão valiosa, com olhos de carinho observa as ligas
de Maria Elisa, usadas naquele distante 7 de setembro de 1949. O destino fatal
dos objetos será o definitivo desligamento da família que viu formar, indo
parar no lixo. Pois, quem sabe sua história e seu valor? A quem interessa as
histórias das miudezas de uma casa, dos sonhos de uma mulher? As ligas, de
fitas de cetim azul claro, tem as bordas enfeitadas de delicadas rendas
brancas, que na memória de sua atual detentora, constantemente a lhe pregar
peças, sempre foram rendas amareladas pelo tempo. No arremate, pequeno enfeite
de flor de laranjeira, feita de pano.
“Algo velho e algo novo/algo emprestado e algo azul*”. Quem sabe as
pequenas flores, já velhas, não tenham vindo de Maria e de Elisa, as velhas avós
de Maria Elisa, a Lizinha? E o azul, seria mesmo a cor do imenso mar, da
pureza, do amor e fidelidade? O que teria sido emprestado dessa liga, que
devolvido não faz falta? E com ela na mão, assim como fazia sua avó Eleonora
com quem aprendeu a observar o pequeno, procura dar-lhe algum festejo, alguma exaltação,
pois alguém, uma neta, um neto quem sabe? uma
bordadeira, uma louca talvez vai gostar de saber que Maria Elisa e
Adolpho, no dia 7 de setembro, data histórica de independência, uniram-se em
laços e ligas, para sempre.
“Something
old and something new
Something
borrowed and something blue*”.
(Estranhos Costumes de Casamento e da Arte de Fazer a Corte – William
J.Fielding, Editora Assunção Limitada, 1946).
Adriana Gragnani
Maio de 2014.
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