18 de jul. de 2019

Dora, a noiva defuntada




Dora, raio de luz matinal, chamava o dia e despertava a alegria dos moradores do pequeno palacete, na velha São Paulo com laivos de fog londrino. Aos 17 anos, foi celebrado seu casório com Isidro, com taças de champagne ao alto, saúde e grande prole aos recém abençoados, festejos de pais, avós, primos, tios, amigos, sob o olhar equidistante do Padre Honorato, senhor guardião das hóstias e benções. Antes do recolhimento íntimo, cuja espera despertava curiosidades e indagações de ruborizar com ós e ais os convivas, a salva de prata adornada com fitilhos de coco, cheia de delicados bem-casados, foi passada entre os convivas. Beijo paterno na testa da filha, recadinho materno ao pé d’ouvido, a jovem e o marido seguiram escada acima para o quarto perfumado de alecrim. Ao clec da virada da chave, Isidro escutou uma pancada, som estranho no quarto cheio de prenúncios de boas coisas. Ao virar-se, só teve tempo de pegar a ponta do longo véu de um corpo defuntado, fogo-fátuo que escapava pela janela para o céu! De Dora, nenhuma notícia mais. Por um tempo correu à boca miúda que, de tão bela, nunca havia existido. De Isidro, sabe-se que ao morrer soltou a ponta do véu, que, como uma grande teia descolorida de aranha, cobriu o palacete e o sugava junto ao tempo corrosivo.
Adriana Gragnani
Junho 2019

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