8 de fev. de 2015

As nódoas do cânhamo

 
 
Esse bordado inacabado, nesse cânhamo já todo manchado, vaga de casa em casa, sempre confinado em gavetas diversas, conhecedor das profundezas do escuro, há setenta e um pouco mais de anos. Já se impregnou de cânfora, sentiu o conforto do papel de seda branco, o receio da traça, o pó, o esquecimento. Seu projeto, que remonta aos confins, foi olhado e palpitado por olhos de mãe, filha, irmã. O planejamento foi feito, é de se observar: o corte do tecido, a escolha das cores, o tipo de ponto, o arrumar das linhas.  Trama e urdidura sentiram o calor das mãos, o arrepio da agulha fincando-lhes com novas tramas e urdiduras. Esse pedaço de pano caiu nas mãos de sobrinha que fica a se perguntar: tão pouco para seu término! Por que esse quase vazio? Foi o desencanto do desmanchar ou foi uma tristeza de amor? Foi um projeto para compor um antigo enxoval, um noivado desfeito? O cânhamo com suas nódoas, o bordado já feito, permanece silente. Fev.2015

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