A conversa saiu solta, num final de domingo. Olhares
percebidos em outros olhares, imagens de poesia caseira. A doçura do olhar de
uma vaca mansa, a tranqüilidade do ver um cisne deslizando em lago. Vôos
urbanos, humanos, em comiseração à existência real e concreta. Vôos da
ilimitada fantasia que permitem o reparar do assombroso do gesto, o divagar
sobre vôos alheios. Inquietude de seres que vislumbraram no aéreo bicho o
gotejar da vida livre e bela, que fez surgir, naturalmente, a questão: você já
se deixou olhar por um pássaro? Do olhar, passou-se ao seu beijo, do beijo a um
provável olhar. Sem qualquer metáfora de encobrimentos, ou por romantismo, por
safadeza ou por simples pudor, de membros, de partes humanas, sem qualquer
metáfora que permitisse a memória do
olhar doce de passarinhas. Você já se deixou olhar por um pássaro? O aéreo
bicho, a pequena ave? Pergunta singela que, viu-se depois, causou espanto,
causou encanto. Já fui observado por um
canário engaiolado. Com pena de mim ele ficou, com pena de minha liberdade,
engaiolada internamente. O aéreo pássaro! um breve olhar, rápido e fugaz, como o matar do vôo pelo salto de um gato.
Da indagação surgida, a fuga para questão nunca pensada: não, sempre fui olhante. Por rotinas, por vidas mais atentas, por
existência de janelas, aberturas para fora, sim,
todas as manhãs, um canário da terra, amarelo, se chegava a mim. Comia o que
para ele eu servia, bebia a água encontrada, cantava, sempre. E dessa comunhão
receosa, de tímidos traquejos corporais, nos fitamos, olhos nos olhos, eu e
ele, aéreo pássaro Vivaldi. Envoltório impermeável a sons diversos,
seletivo de formas e cores, de caminhos, vestimenta interna de maneirice de
quietude, condição para o olhar de olhos
ariscos, da pequena ave. De cores vivas, de azul, escarlate, verde, longas
penas, suave penugem, bicos curtos, velocidade ímpar, entre tantos, um beija-flor que queria realizar sua busca,
busca do néctar da flor que via refletida no vidro. Olhar perdido nas falsas
transparências, mas que se deseja como certeiro e sincero, deixe a ave - pela
fragilidade, porque é pássaro, pela leveza, porque é aéreo, pela beleza, porque
canta - contrapor as mágoas, sem
julgamento, sentir restos de mil sonhos já tidos, que seja nada, que seja dor,
que sinta pena, que seja alento. Você já se deixou olhar por um pássaro? O
aéreo bicho, a pequena ave? Pombinha, a
mexer a cabeça para lá e para cá, o que você quer? Me namorar? Pombinha, eu já
tenho um namorar. Quem é você, Pombinha?Um bem-amar sempre a voar? Você já
se deixou olhar por um pássaro? O aéreo bicho, a pequena ave? Estranha sensação de olhar...olha-se o
pássaro? Ou ele que fita?
Adriana Gragnani - maio/2001